segunda-feira, 16 de março de 2009

quarta-feira, 4 de março de 2009

NÓS, OS FOLIÕES

"Sempre fui um vigoroso defensor de uma ideia que não tem lá muitos adeptos - os maiores foliões são os tristes. O carnaval, definitivamente, não foi feito para os alegres, os festeiros escancarados, os baianos de plantão.O verdadeiro folião é o triste, o que sabe que a experiência carnavalesca é, sobretudo, uma pequena morte. Durante os dias de Momo, a máscara prevalece e todas as inversões sociais são bem-vindas e necessárias. É quando devemos esquecer o que somos, o que fazemos e, até mesmo, a quem amamos. Esquecimento, eis aí a essência da folia.O legítimo folião não programa o carnaval. Sabe apenas que vai para a rua imolar-se nos blocos e cordões, receber a extrema-unção com água benta de alto teor alcoólico e morrer até a quarta-feira de cinzas, quando ressuscitará como burocrata, marido, professor ou escriturário, para o longo e medíocre intervalo cotidiano entre um carnaval e outro.Lembro , por exemplo, de uma história que meu avô contava sobre um velho folião, tristíssimo, casado com uma tremenda jararaca, que saiu na sexta-feira, véspera do início do tríduo, com o argumento de que iria comprar uns caranguejos - prato predileto da patroa - para comer enquanto assistia aos desfiles das escolas de samba pela televisão, na santa paz do lar.Eis que o marido zeloso reaparece, pra lá de Bagdá, na quarta-feira de cinzas, protagonizando uma cena definitiva - fantasiado de imperador romano, espalha vinte caranguejos vivos na entrada da casa e chama a mulher, preparada para trucidá-lo. Ao ver a fera, começa a falar alto, dando esporro nos crustáceos decápodes :- Mais um pouco, pessoal. Falta pouco. Como são lentos. Quatro dias com a maior paciência e nada de vocês andarem mais rápido.Entrou , evidentemente, no rolo de pastel, mas honrou os bagos e as tradições. Cumpriu um dever.É necessário brincar, senhores, é preciso beber, é urgente esquecer. O verdadeiro devoto de Momo, o maior dos solitários, é um morto se esbaldando na multidão. Brincar o Carnaval, para gente como nós, os foliões, não é opção [ é tarefa ].

Evoé!"